Popularmente conhecido como juizado de pequenas causas, os Juizados Especiais têm uma finalidade histórica e social de acesso: possibilitar que o jurisdicionado entre com uma ação, sozinho e com facilidade, em causas de valores inferiores ao teto determinado por lei (que fica entre 20 e 60 salários-mínimos) e com baixa complexidade.
Aliás, esse é um dos pressupostos essenciais para poder ter uma ação no Juizado Especial: a menor complexidade.
Mas para quem atua como advogado ou servidor da Justiça, a questão mais técnica sobre o tema “complexidade” não está associada a facilidade ou dificuldade do tema levado pelo jurisdicionado à Justiça, mas sim a forma como esse processo se desenrolará, ou seja, caso seja necessária a elaboração de provas complexas, como o caso de perícias sofisticadas, nesse caso o JEC (Juizado Especial Cível) será incompetente.
Os Juizados são guiados por três leis que formam um microssistema dos Juizados, que são: Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/09, sendo o Juizado Especial Cível, o Juizado Especial Federal e o Juizado Especial da Fazenda, respectivamente.
Além das normas, os juizados utilizam os enunciados como nortes na condução estrutural e dos processos. Não são súmulas, como as do STF ou STJ, mas deliberações dos Fóruns, portanto, tem finalidade doutrinária, mas, na prática, os Juizados se valem dessas premissas, dando-lhes um ar quase que vinculante.
Dessa forma, sobre a complexidade, falando do JEC, temos o enunciado 54 “a menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material”; o enunciado 70, que traz o pressuposto de que ações sobre questões bancárias de juros são complexas: “as ações nas quais se discute a ilegalidade de juros não são complexas para o fim de fixação da competência dos Juizados Especiais, exceto quando exigirem perícia contábil” e o enunciado 01 e dá liberdade ao jurisdicionado de escolher o JEC ou a Justiça Comum: “o exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor”.
São muitas as curiosidades sobre os Juizados. Aqui falaremos de algumas, como essa da “complexidade”, sendo que noutros textos traremos mais reflexões.
A gratuidade ela é integral e irrestrita em primeira instância. Logo, qualquer pessoa poderá entrar com uma ação no Juizados sem pagar absolutamente nada. Bom, ao menos nas custas, pois, se litigar de má-fé, mesmo quem é beneficiário da gratuidade de Justiça, não há isenção. Outro exemplo de superação da prerrogativa da gratuidade de Justiça se dá na ausência injustificada em audiência, conforme diz o Enunciado 28 do FONAJE e o artigo 51, I da Lei 9.099/95. Nesses casos a parte será punida com multa.
Por sua vez, ao recorrer, a parte, se não for beneficiária da gratuidade de Justiça, terá que necessariamente fazer o recolhimento de todas as custas, observando que poderá vir a pagar honorários a outra parte, se for vencida (Enunciados 96 e 122 do FONAJE).
Para obtenção da gratuidade é necessária a comprovação da “insuficiência de recursos para obter a concessão do benefício da gratuidade da justiça (art. 5º, LXXIV, da CF), uma vez que a afirmação da pobreza goza apenas de presunção relativa de veracidade” (Enunciado 166 do FONAJE).
Por ser mais informal, um dos pilares é a tentativa de solução consensual de conflitos, tão apregoado pelo novo Código de Processo Civil. Nesse caso, nos Juizados, poderá se dar sem advogado, desde que não seja uma audiência de instrução no qual a outra parte está com advogado, pois, como dito, na nessa fase de conhecimento a presença de advogado é opcional, entretanto, estando uma das partes com advogado, o juízo designará, ao menos para aquele ato, a orientação de um plantonista presente a audiência, designado pelo convenio da OAB com a Defensoria.
Até aqui falamos brevemente de três assuntos: o microssistema dos Juizados e sua importância social; a delimitação temática da complexidade probatória aos Juizados; e o fácil e livre acesso, inclusive pela gratuidade de Justiça irrestrita. Por fim, vamos dar uma breve entrada na competência, falando sobre a competência material.
O Juizado Especial Cível, especificamente falando, é competente materialmente em causas, qualquer que seja o valor, que tratem de:
- arrendamento rural e de parceria agrícola;
- cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio (execução no CPC/15);
- ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;
- ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;
- cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução;
- de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;
- que versem sobre revogação de doação;
- a ação de despejo para uso próprio;
- nos demais casos previstos em lei.
Vamos falar hoje de duas hipóteses, a título de curiosidade. A primeira é a cobrança de condomínio, que, diante do novo CPC, deixou de existir, passando a ser uma execução, muito mais eficaz. Antes, para quem não sabe, precisava entrar com uma ação ordinária. Com base nisso, caberia defesa ampla, sentença e apelação. Tudo isso com efeito suspensivo concedido pela norma. O processo, por consequência, demorava anos. Com o novo CPC, desde 2016, o condomínio executa todas as dívidas do condomínio, obrigando-o a pagar quase que de imediato. Ou seja, a eficácia no recebimento é muito maior. Nesse caso, diante da possibilidade de cobrar condomínios no Juizado, pensamos que é igualmente possível executar os condomínios lá, já que é uma simples adequação a norma, diante da nova previsão.
Outra curiosidade se dá na ação de acidentes de veículos, tão costumeira no JEC (Juizado Especial Cível). Nesse caso não há limitação de valor, podendo que uma pessoa venha pedir indenização pela Ferrari abarroada em acidente de trânsito, com fixação em milhares de reais (senão milhão, diante da magnitude do preço desse carro). Não aconselhamos, já que a instrumentalização das provas no Juizado é mais limitada, porém, como dito, é possível. Parte igualmente interessante se deu no costume de ajuizar ações desse tipo com três orçamentos, sendo que inexiste previsão legal nesse sentido. Criou-se um hábito, como se fosse parametrizar pela média dos orçamentos, sem necessariamente configurar que o dano causado seja realmente pautado naquela estimativa de preço dos consertos orçados. Em ações de trânsito, finalmente, discute-se basicamente culpa e consequências do dano, por isso a ideia dos orçamentos, como se, com isso, estivesse solucionada a parte da quantificação do dano. Por sua vez, havendo dúvidas sobre a causa do acidente ou a quantificação dos danos, deveria ser designada uma perícia técnica, que, dentro do Juizado, como dito lá em cima, há limitações pela complexidade. Veremos, noutro texto, que é possível haver perícia, mas bem mais simplistas do que as habitais dos processos cíveis comuns.
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