Recentemente fui convidado a falar em aula de pós-graduação sobre as ações de Família no novo Código de Processo Civil. Fazia um tempo – mais precisamente desde 2015 – que não falava academicamente sobre o tema. Revisitá-lo me trouxe a vontade de escrever esse simbólico e objetivo texto. Aqui sempre procuramos falar de forma fácil e mais direta, pois a leitura poderá ser feita por estudantes, advogados e pessoas que não atuam diretamente na área do direito. Então não estranhe.
O Direito de Família é um dos ramos que mais evoluiu nos últimos anos. Acredito que não só o Direito em si, mas as concepções sobre a temática família. A ideia – já ultrapassada – de família “doriana”, com o pai, a mãe e o(s) filho(s) já não se encaixa em 2022. A noção de família – ou como alguns autores preferem: famílias – é múltipla, sendo seu elo o “amor”. Ou seja, família é a representação da união de pessoas por um sentimento em comum, com a intenção de formar uma família.
Em sendo uma noção tão ampla – algo que podemos falar noutros textos com mais profundidade – não haveria sentido o Código de Processo Civil não tratar sobre o tema ou não tratar especificamente. Algumas dinâmicas procedimentais são distintas da regra geral, portanto.
Importante fazermos uma pequena pausa para uma explicação breve. Simplificadamente podemos dividir o Direito em uma parte que trata da matéria, que é o Direito Civil, por exemplo, e outra do processo, como é o caso, o Processo Civil, sendo que um é o direito em si e o outro é como será exigido esse direito. A explicação simplista, como alertei lá em cima, pode ser estranha aos militantes do Direito, porém aqui falamos a todos.
Sendo assim, se for para falar do Direito de Família, temos diversos outros textos no nosso site, inclusive um “ebook”. Aqui, ao menos nesse momento, falaremos do processo, ou seja, como obter o direito pretendido.
As ações de família estão previstas nos artigos 693 em diante. Lá fala-se dos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação, sem excluir a ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente, que também são tratadas em legislação específica.
Hoje em dia é muito simples se divorciar. Mas nem sempre foi assim. O instituto do divórcio foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional nº 9, de 29 de junho de 1977. Antes disso, pasmem, o nosso ordenamento jurídico adotava a regra da indissolubilidade do vínculo matrimonial, por meio da ação de desquite, comparada a separação judicial. Logo você já deve ter ouvido falar quão negativo socialmente era naquela época uma mulher ser desquitada. Outros tempos e com uma mentalidade extremamente patriarcal e machista.
Ainda mais recente é a discussão do divórcio direto, pois antes era necessária a separação, como uma fase preparatória, isto é, um momento em que os dois cônjuges teriam de admissibilidade para o divórcio, podendo haver o arrependimento, quando, em 2010, por nova Emenda Constitucional, foi possibilitado o divórcio sem necessariamente haver preliminarmente a separação.
A separação judicial ainda existe em nosso ordenamento e foi mantida no Código de Processo Civil de 2015, porém deixou de ser uma etapa prévia e obrigatória da ação de divórcio. Nessa mesma senda, firmou-se o Enunciado de nº 514, das Jornadas de Direito Civil, pelo qual: “A Emenda Constitucional nº 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial”.
Um dos argumentos para a manutenção da separação no sistema jurídico é a possibilidade de responsabilização do cônjuge em caso de ato danoso, gerando indenização por danos morais. Ou seja, aferir culpa na relação. Isso é um dos possíveis motivos, além da própria vontade da parte em exercer esse ato.
Nas ações de família, segundo o novo Código de Processo Civil, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Para tanto, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto as partes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar, sem limite de prazo e de sessões.
Essa é a uma das grandes diferenças procedimentais das ações de família das demais ações, no qual houve uma atenção bem maior à conciliação entre as partes. Entende-se que a melhor resolução para essas questões
Uma dinâmica um tanto curiosa, comparada as rotinas de praxe, se dá na citação. Diz a norma que o mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo. Significa dizer que a pessoa nas ações de família, ao menos no primeiro momento, não entrará na discussão dos autos, sendo primeiro lhe apresentado a possibilidade de tomar conhecimento por meio da conciliação. A ideia, ao que me parece, seria dar a parte a possibilidade de comparecer em audiência um pouco menos armado com os eventuais ressentimentos de palavras e pedidos ditos na inicial. Na prática, a bem da verdade, não é funcional, pois necessariamente qualquer advogado um pouco diligente irá em busca das informações dos autos para comparecer em audiência preparado. Nesse aspecto parece ser ingênua a intenção do legislador.
Se por um lado a norma quis dar um tom menos litigioso, por outro há a exigência de advogados ou de defensores públicos acompanhando as partes na audiência. Logo, por mais intenção conciliatória, ainda assim o legislador tomou o cuidado de exigir que a parte se consulte juridicamente com um profissional, aconselhando soluções e informando todos os riscos.
Nessa audiência é imprescindível o inspiro conciliador e propositivo entre as partes e o magistrado, como bem trouxe o Enunciado 187 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “no emprego de esforços para a solução consensual do litígio familiar, são vedadas iniciativas de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como as de aconselhamento sobre o objeto da causa”.
Não realizado o acordo, passarão a incidir, a partir de então, as normas do procedimento comum, seguindo o rol prático do artigo 335 do CPC, quando o réu poderá oferecer a contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação.
Uma pergunta interessante talvez surja nesse momento: se o réu não comparecer na audiência de conciliação, quais as consequências?
Haverá, pois, a aplicação da revelia?
A princípio não há a confissão como efeito prático da revelia, pois o prazo de apresentação de defesa vem na sequência da não composição na audiência de conciliação. Dessa forma, como efeito da audiência, não é a revelia. Entretanto, ao saírem da audiência, as partes têm o dever processual de ciência dos atos lá praticados. A ausência implica em ciência presumida, em razão da desídia de não ter comparecido. Não haveria, nesse caso, uma diligência própria do juízo intimando a parte para apresentar a defesa, uma vez que era dever dela ter comparecido em audiência para a conciliação e ciência dos demais atos. Deverá o réu ausente, portanto, apresentar a defesa sequencialmente, sob pena de, nesse caso, sofrer as consequências legais da sua inercia.
Mesmo ausente poderá apresentar defesa, isso é certo. Mas deverá fazê-lo na sua ação diligente de uma pessoa que foi citada para um processual judicial. A norma não só presume sua ciência, mas atribui o dever de conhecer a lei e as consequências dela.
Como é de praxe, o Ministério Público acaba sendo bastante atuante nas ações de família, entretanto, só intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo, além de situações em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei Maria da Penha.
Havendo interesse de incapaz, o Ministério Público deve participar desde o início do procedimento, figurando como fiscal da ordem jurídica durante todo o desenrolar do processo. Nos demais casos, sua participação será pontual, devendo ser ouvido apenas quando houver pedido de homologação de acordo.
Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz poderá vir a tomar o depoimento do incapaz, quando deverá estar acompanhado por especialista. A Recomendação 33/2010 do CNJ aconselha a realização de depoimento pessoal especial, que deverá ser realizado em ambiente separado da sala de audiências, com a participação de profissional especializado, devendo estar os participantes do ato capacitados para o emprego de técnica do depoimento pessoal, usando os princípios básicos da entrevista cognitiva, também chamada de depoimento sem danos.
Essa é uma novidade do novo Código de Processo Civil, ao possibilitar que o juízo atue diretamente na oitiva da parte, quando, com sensibilidade ao caso e à pessoa que estará ouvindo, poderá extrair dela as informações necessárias para a melhor condução do feito.
Naturalmente o legislador quis trazer maior efetividade aos atos do juízo, que, incumbido em tamanha responsabilidade de julgar questões sobre a vida, poderá se valer dos mecanismos necessários para lhe dar segurança em sua decisão.
Resumidamente percebe-se que o novo Código de Processo Civil, ao inovar na previsão específica das ações de família, foi bastante feliz e bem-intencionado ao trazer o objetivo conciliatório entre as partes e tornar prioritária a resolução da discussão entre os envolvidos, uma vez que uma decisão tomada entre eles poderá ser melhor e mais assertiva do que a determinada por um terceiro, como é o caso do juiz nesse ato. É mais fácil cumprir um acordo feito do que uma decisão obrigatória do Estado.
Por outro lado, observa-se que o novo Código Processual ainda foi tímido, prevendo poucas normas sobre o tema. São poucos dispositivos e de cunho mais gerais, a fim de abranger todo o contexto do que denominado ações de família. De toda forma, ainda é louvável a disposição específica sobre o tema.
Autor: Adriano Ialongo