A assinatura da Lei Áurea, em 1888, aboliu formalmente no Brasil a possibilidade de um ser humano ter a posse de outro, mas os reflexos desses anos são sentidos ainda hoje e explicam a História contemporânea.
Na teoria, o trabalho escravo não existe no Brasil desde 1888, no entanto, expor qualquer pessoa a condições análogas ao escravo é crime previsto no Código Penal. A lei brasileira ainda é bastante clara em definir o que se considera trabalho análogo ao escravo.
Você pode chamar de “trabalho escravo moderno”, ou “trabalho análogo ao de escravo” ou ainda “trabalho escravo contemporâneo”, mas todos se referem à mesma coisa, que significa o trabalhador estar em uma dessas situações ou em todas, como: o cerceamento de liberdade, em condições degradantes de trabalho, em jornada exaustiva e extremamente excessiva, em situação de servidão por dívida.
De forma mais simples, o termo “trabalho análogo ao escravo” é usado no Brasil para designar a situação em que a pessoa está submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívidas e/ou condições degradantes. Não é necessário que os quatro elementos estejam presentes, bastando apenas um deles, o que já é suficiente para configurar a exploração de trabalho.
O trabalho forçado se caracteriza quando o trabalhador é submetido à exploração, sem possibilidade de deixar o local por conta de dívidas, violência física, psicológica ou qualquer outra forma de “pressão”. Em alguns casos, o trabalhador se encontra em local de difícil acesso, dezenas de quilômetros distante da cidade, isolado geograficamente e longe de sua família e de uma rede de proteção. Em outros, os salários não são pagos até que se finalize a empreitada, e o trabalhador permanece no serviço com a esperança de, um dia, receber. Há ainda os casos em que os documentos pessoais são retidos pelo empregador, e o trabalhador se vê impedido de deixar o local.
A jornada exaustiva não se trata somente de um excesso de horas extras não pagas, e sim de um expediente desgastante que coloca em risco a integridade física e a saúde do trabalhador. Há casos em que o descanso semanal não é respeitado. Assim, o trabalhador também fica impedido de manter vida social e familiar e corre mais riscos de adoecimento físico e mental.
Ao falarmos de servidão por dividas, referimo-nos a “fabricação de dividas ilegais” referentes a gastos com transporte, alimentação, aluguel e ferramentas de trabalho para “prender” o trabalhador ao local de trabalho. Esses itens são cobrados de forma abusiva e arbitrária para, então, serem descontados do salário do trabalhador, que permanece sempre endividado.
E por fim, as condições degradantes, que possuem um conjunto de elementos irregulares que caracterizam a precariedade do trabalho e das condições de vida do trabalhador, atentando contra a sua dignidade. Frequentemente, esses elementos se referem a alojamento precário, péssima alimentação, falta de assistência médica, ausência de saneamento básico e água potável.
O trabalho análogo ao escravo é uma grave violação de direitos humanos que restringe a liberdade do indivíduo e atenta contra a sua dignidade. O fenômeno é distinto da escravidão dos períodos colonial e imperial, quando as vítimas eram presas a correntes e açoitadas no pelourinho.
Hoje, o trabalho escravo é um crime expresso no Artigo 149 do Código Penal, conforme a seguinte definição legal:
“Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalhando, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena- reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra a criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor etnia, religião ou origem.”
No ano de 1995, o Brasil assumiu oficialmente a existência de trabalho escravo em seu território perante a OIT. Desde então, há um compromisso governamental e estatal em erradicar-se essa prática. Por meio da atuação dos órgãos públicos de fiscalização e punição pertencentes aos três poderes e da atuação de ONGs, o Governo brasileiro vem mapeando e combatendo essa prática que atenta contra os Direitos Humanos da população brasileira.
Segundo levantamento do Ministério do Trabalho e da Comissão Pastoral da Terra, divulgado pela ONG “Escravo, Nem Pensar!”, mais de 52 mil trabalhadores foram regatados da escravidão entre 1995 e 2016.
Muitos trabalhadores ainda se encontram em situação de escravidão no Brasil. No trabalho doméstico, na atividade agropecuária, na mineração, na construção civil ou na confecção têxtil, ainda existem pessoas que sofrem com atentados contra os seus direitos. É de extrema importância que a atuação de ONGs e dos órgãos públicos que trabalham pela erradicação do trabalho escravo seja mantida e financiada.
Não se pode negar que o motivo preponderante que sempre impulsionou o trabalho escravo é o interesse econômico, de forma que os beneficiados deste trabalho ilegal sempre souberam explorar o desemprego e a pobreza observados no cenário nacional, agravando-se tal situação pela péssima distribuição de renda.
Mas é possível erradicar o trabalho escravo no Brasil? O que podemos fazer para ajudar?
Se o trabalho escravo moderno existe apesar das leis que o proíbem e da fiscalização por dar lucro, para erradicá-lo é preciso fazer com que ele não seja lucrativo.
Caso você desconfie de uma situação de trabalho escravo, pode denunciar por telefone no Disque 100. A Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério da Economia (Detrae) também criou um outro canal de denúncia. O Ministério Público do Trabalho também recebe denúncias via prédios da procuradoria e por meio dos sites das procuradorias regionais. O MPT possui ainda um aplicativo para denúncias, MPT Pardal, que você pode encontrar disponível para Android e iOS.
Com esse tipo de iniciativa, realizado por meio da construção de processos formativos, divulgação de informações e promoção de debates sobre trabalho escravo, as comunidades alcançadas se tornam preparadas para enfrentar o problema e denunciar práticas exploratórias.
Autor: Isabella Cardoso Cezar