Gerente bancário tem direito a hora extra?

Uma das muitas missões do advogado é manter-se atualizado. E olha que não é fácil. São diversas normas novas, julgados dos tribunais superiores e inúmeras notícias.

A mais recente a respeito de gerentes bancários, trazida pelo site do TST (Tribunal Superior do Trabalho), agora no início de 2023, traz o indeferimento das horas extras além da sexta hora a um gerente que trabalhou na Caixa Econômica Federal.

A questão é interessante por dois motivos, um mais técnico e processual e outro extremamente prático.

O trabalhador bancário, por si só, tem características e rotinas diferentes de outros trabalhadores. A jornada é de seis horas e com início já conhecido as 10h ou 11h e término ao fim da tarde. Quem nunca tentou entrar em uma agência alguns minutos após seu fechamento e foi impedido? Com o avanço digital esse cenário também mudou, impondo aos bancos maior flexibilidade de horários e atendimento, principalmente com a vinda dos fintechs.

A norma coletiva do trabalhador bancário impõe a limitação de jornada, excepcionando ao gestor a jornada mais ampla de oito horas. Ampliando a concepção do cargo de confiança que traz a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), no artigo 42, que possibilita ao empregado-gestor um plus salarial em razão da confiança do seu empregador, tendo em contrapartida autonomia de jornada, sem necessidade do computo e controle da sua jornada, ou seja, não se limitando ao controle de oito horas diárias, no caso do trabalhador bancário em função de gerência há um permissivo que possibilita o trabalho além da sexta hora diária, com a limitação da oitava. A partir de oito horas de trabalho, para esse gerente, passaria a ser contabilidade a jornada extraordinária.

Com a criatividade do brasileiro, os bancos passaram a classificar o trabalhador de atendimento ao cliente com a designação de gerente, tendo então gerente para tudo: gerente de pessoas físicas, gerente de pessoas jurídicas, gerente disso e daquilo, porém, essencialmente, autonomia não existe para essa classificação gerencial ou de cargo de confiança.

Muito comum, inclusive, o ajuizamento de ações nesse contexto, em que o tal gerente, que gerente propriamente não é, adentra com pedido de horas extras das sétimas e oitavas horas trabalhadas diariamente.

A prova é feita pelo próprio apontamento do controle de jornada, que traz a entrada e saída, totalizando oito horas de trabalho diariamente.

Se fosse um outro trabalhador, há se lembrar que a jornada extraordinária só se configuraria após a oitiva hora trabalhada. Mas esse é um privilégio histórico e normativo do bancário.

A outra prova necessariamente a ser feita em juízo é a desqualificação da confiança do cargo, pois seria pressuposta a existência diante da designação e pagamento diferenciado. Nesse caso, o trabalhador precisaria demonstrar, normalmente por testemunhas, que não tinha autonomia gerencial dentro da agência.

Interessante, por sua vez, que o TST julgou recente caso sobre o tema, como dissemos no início desse texto. Nesse caso lá julgado houve o indeferimento dessas horas extras, porém com base noutro caso lá julgado e pelos fundamentos que explicamos: o caso de gerente de fato e de direito, que tem condições de mando e gerência. Porém a forma como foi reconhecida no TST é ainda mais interessante.

Nos tribunais superiores os julgamentos dos recursos se restringem ao que chamamos de matérias de direito, ou seja, são as teses discutidas que podem refletir social e juridicamente a todos os casos. Lá a reflexão jurídica não está em dizer sobre cada caso, mas sim sobre a aplicação da norma adequadamente.

No caso que foi noticiado o TST mudou a decisão do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) deixando de aplicar as horas extras, por meio de embargos de declaração. É isso mesmo. A decisão foi modificada na estreita via de embargos de declaração, isso após dois outros recursos lá no TST. Sei que para quem não é da área do Direito talvez estejamos falando grego, mas quem pratica o Direito no dia a dia compreenderá o quão é inusitado uma modificação tão grandiosa por meio de uma medida tão restrita e, por vezes, tão renegada nos tribunais. Para exemplificar e facilitar, o caso já havia sido julgado em duas instâncias, juízo local (um juiz que julga o processo), pelo Tribunal Regional (três desembargadores rejulgam o caso) e, ao chegar no TST, foram analisados dois recursos, o de revista, negado monocraticamente pelo Relator (apenas um julgador analisou o caso), e o agravo regimental/interno, que levou o caso ao plenário da Turma e os três Ministros analisaram, negando igualmente o recurso do banco e mantendo as horas extras além da sexta hora diária. De repente, embargos de declaração, o acórdão (julgado pela turma novamente) reverte o entendimento e dá provimento para excluir as horas extras, sob o argumento de aplicação analógica de outro caso (precedente apontado pelo banco e firmado pela SDI-1 em 2019, no julgamento do E-ED-ARR-59-56.2012.5.12.0018).

Esse interessante e inusitado é o ED-Ag-RR-14757-17.2010.5.04.0000, que tem a CEF (Caixa Econômica Federal) como recorrente-embargante.

A notícia, na integra, pode ser lida pelo site do TST, com o título “Bancário não receberá horas extras em períodos em que foi gerente” e pode ser acessada pelo link a seguir:

https://www.tst.jus.br/web/guest/-/banc%C3%A1rio-n%C3%A3o-receber%C3%A1-horas-extras-em-per%C3%ADodos-em-que-foi-gerente

Embora atípica a forma da modificação e o momento desta, vale dizer que a justificativa não exclui o direito dos demais trabalhadores bancários que são classificados fraudulentamente como gerentes, uma vez que, conforme a decisão e a notícia, o motivo do relator, ministro Evandro Valadão, ao reconhecer a necessidade de aplicação da tese firmada pela SDI-1 se dá pelo apontamento das três funções gerenciais ocupadas pelo bancário do caso (gerente de filial, gerente nacional e gerente regional de canais), sendo, nesse caso, de confiança especial, e que os dois últimos têm hierarquia superior ao de gerente-geral de agência. Por isso, deveriam ser enquadradas na interpretação restritiva da jurisprudência recente do TST.

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