Não são poucos os desafios que estamos enfrentando nesse novo mundo de pandemia e reclusão por imposição estatal.
Parece inegável que de alguma maneira a quarentena é o único mecanismo seguro de prevenção do alto contágio, seja uma restrição vertical ou horizontal, não importa.
Ponto é que estamos vivenciando uma mudança jamais pensada no estilo de vida. Já não era novidade para ninguém as tecnologias de videoconferência ou ensino à distância, porém sempre foram colocadas como alternativas secundárias, renegadas apenas à impossibilidade presencial de um outro.
Para a educação, a tecnologia por muitas vezes foi demonizada, seja pelos excessos dos alunos no uso de ferramentas de comunicação ou joguinhos. durante a aula.
É certo que em pouco tempo (estou falando de algo em torno de dez anos) o padrão de comunicação e presença dos alunos mudou muito. Sempre se teve como média de tempo de 40 a 50 minutos o tempo máximo de atenção de uma pessoa a uma exposição oral, mas, hoje em dia, com a alta intensidade de informações rápidas, acredito piamente que a média de atenção de um aluno deva ter sido reduzida para menos da metade do tempo. Tanto assim é que muitos cursos EAD costumam formatar cada aula em módulos que variam de 15 a 20 minutos cada um, forçando essa pequena pausa do aluno e, assim, tornar menos cansativa a exposição, já que é ainda mais fácil dispersar olhando para uma tela de computador.
Se em dez anos o comportamento do aluno dentro da sala de aula mudou e toda a nossa forma de se comunicar também, a forma de ensinar, por sua vez, permaneceu intransigentemente intacta, mesmo com todos esses cenários que já existiam antes da reclusão da pandemia que vivenciamos.
A dinâmica do professor falando frente a sala de aula durante uma ou duas horas e o aluno, obediente e passivo, sentado ouvindo, já não fazia sentido antes da pandemia, quem dirá agora, que a aula é em frente a monitores e não se tem qualquer domínio ou controle da atenção do aluno.
Tenho ouvido muito que os professores não foram preparados para essa nova forma de ensinar. E não estou falando só dos professores de ensino básico, mas também de graduações e pós-graduações. Me assunta pensar que em tantos anos de tecnologia não houve um preparo pessoal ou institucional nesse sentido.
Em contrapartida a tudo isso vem o alinhamento entre expectativas e realidades. Enquanto os professores claramente tentam se adaptar em curtíssimo tempo a nova realidade, alguns literalmente se alfabetizando em novas tecnologias, as escolas enfrentam um duro dilema: ter que investir em tempos de racionamento de capital e alto índice de inadimplência.
Aos pais, que estão vendo seus filhos trancafiados em casa e atormentando-lhes a paciência, um serviço da escola, que lhes é essencial, já não está mais sendo prestado, obviamente, que é lhes proporcionar esse tempo livre para dedicar a outras atividades, seja pessoal ou profissional. Por si só já há uma enorme sensação de desnecessidade em pagar a escola, já que não lhes presta esse serviço.
Somado a isso e com um pouco mais de racionalidade, os pais veem um ritmo lento – dentro da extrema agilidade necessária – de adaptação das escolas em proporcionar, ao menos em suas expectativas, o retorno do investimento e da quantidade de ensinamentos que a instituição deveria, ao seus juízos, estar passando. Mais um fator que proporciona a sensação de descumprimento do dever de prestação de serviço e uma enorme falta de animo em retribuir com o valor da mensalidade.
Mas não poderia ser leviano em deixar de ressaltar a enorme quantidade de pessoas que tiveram sua rentabilidade afetada com a paralisação. Dessa forma, aos profissionais que não auferem a mesma renda de antes, começa a haver uma necessidade de racionamento e seleção do que é mais importante pagar nesse momento, vindo como prioridades alimentação, moradia e outros suprimentos como medicação ou serviços mais vitais agora, como o plano de saúde; ao passo que a escola ou faculdade ficam naturalmente em segundo ou terceiro plano.
Ponderando algumas das infinidades de dificuldades atualmente vivenciadas por cada família, ao menos é certo dizer que as escolas vem sofrendo um altíssimo número de inadimplemento das mensalidades, com exigência dos seus alunos e pais para uma redução substancial no valor da mensalidade.
A ironia, como dito acima, é que a escola, mesmo sem a rentabilidade necessária, precisa investir na estrutura online que ela não tinha ou que funcionava muito precariamente. É uma situação antagônica. Se não investir não justifica a reduzida mensalidade que vem recebendo.
É claro que você poderá dizer que se trata de uma relação de consumo e, como tal, a responsabilidade do risco do negócio é tão-somente da empresa. Isso é evidente, tal como a situação do trabalhador (professores, assistentes e colaboradores em geral) que precisa receber mesmo sem conseguir prestar o serviço de forma plena à empresa-empregadora. Contudo, em tempos atuais, parece um tanto desumano ou antissocial não haver uma empatia e até uma coparticipação, ou seja, um comportamento que, ainda que a responsabilidade primária seja da empresa que oferta o serviço, há, em razão desse sistema social coletivo e quase que totalmente atingido, uma responsabilidade conjunta e participativa do contratante, ao menos em compreender as peculiaridades. Esse discurso evidentemente não é para todos, pois há negligencias injustificáveis de escolas, entretanto prefiro pensar na maioria de empresários do ensino, em sua maior parte pequenos, que vem tentando superar e se adaptar a atual realidade.
E o aspecto jurídico sobre a redução das mensalidades?
Chegando a parte mais jurídica desse texto, ainda que você não tenha ideia da norma que causou isso (que é a Portaria nº 343), sabe que há uma determinação do Ministério da Educação para substituição das aulas presenciais por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação.
Uma boa parte das instituições de ensino se adaptou está utilizando a tecnologia, por meio de plataformas digitais, para continuar a prestação dos serviços educacionais, ainda que não na forma inicialmente pensada e contratada.
O principal questionamento é justamente esse, que não é a mesma forma de prestação de serviço e, ao menos em tese, não é também na mesma qualidade. Por isso, os pleitos de redução dos valores da mensalidades vem crescendo.
Alguns estados vem apresentando projetos de lei para a imposição da redução do valor da mensalidade, algo em torno de 30%. Igualmente na esfera nacional, a Câmara dos Deputados tem o Projeto de Lei nº 1119/20, que determina a redução de, no mínimo, 30% dos valores das mensalidades escolares das instituições de ensino fundamental e médio e o Projeto de Lei nº 1108/20, que estabelece a renegociação direta entre as partes, a redução das mensalidades do ensino básico e superior na faixa de 20 a 30% e proíbe a redução de salários de professores e funcionários.
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Em paralelo, há o Projeto de Lei de iniciativa do Senado Federal (PL nº 1163/20) que determina a redução de no mínimo 30% do valor das mensalidades nas instituições de ensino fundamental e médio e nas universidades particulares que não consigam realizar atividades presenciais.
Há de se questionar se estados ou União poderiam impor deliberadamente a condição contratual entre as partes.
Além de aspectos constitucionais, principalmente aos estados que pretendam regulamentar matéria que é de competência da União, pondera-se a constante iniciativa do Estado em participar ativamente na vida de todo cidadão, nesse caso interferindo em iniciativa entre as partes de que contam com fatores de razoabilidade e boa-fé da relação contratual.
Já não são novas que as premissas meramente quantitativas que não representam um senso próprio de Justiça. No exemplo básico de uma pessoa pobre, parece senso comum que uma pessoa que ganha um salário mínimo e precisa se sustentar e, como muitas famílias brasileiras, manter familiares com essa restrita quantia. Noutra ponta, não significa dizer uma pessoa que ganha, por exemplo, cinco mil reais por mês não seja igualmente pobre (no sentido de hipossuficiência econômica para custear despesas de um processo), bastando que essa pessoa demonstre gastos tão necessárias e indispensáveis que lhe coloquem em situação de dificuldade financeira, como, mantendo a linha de raciocínio do exemplo, ter um filho seriamente deficiente ou uma mãe acamada, cujas despesas, pensando em condições dignas de manutenção da qualidade de vida, importem em despesas que, geralmente, superam a quantia mensalmente fixada no exemplo. São se trata de dizer quem é mais pobre, mas conceituar que ambos são pobres, mesmo que quantitativamente uma pessoa auferira renda bruta cinco vezes maior que a outra.
Uma regra única, portanto, é tola.
Não há como unificar um raciocínio de forma tão básica que importe em dizer que toda escola que ministra aulas online passou a ter 30% a menos de despesas, já que todos os seus colaboradores ainda continuam sendo pagos e as reduções de gastos possíveis como luz e água só serão sentidas no próximo mês e, muito provavelmente (e aqui é chute), não importem em 30% do custo mensal das escolas.
É, em suma, irrazoável uma norma impositiva que reduz as mensalidades sem qualquer critério qualitativo.
Ademais, pelos projetos mencionados, não há diferenciação entre os ensinos, quem dirá as realidades de bairro e capital, que são fatores preponderantes nos valores de mensalidades.
A prestação de serviço educacional, por mais que seja advinda de institutos normativos e de ordem constitucional, no fim das contas, o contrato firmado entre os alunos ou seus responsáveis e a escola tem finalidade de direito privado, sendo que incumbe as próprias partes a analise situacional e a necessidade de renegociação, suspensão e de resolução das bases contratuais visando manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Assim, providências como concessão de descontos parciais, prorrogação no prazo dos pagamentos e renegociação dos contratos são realmente critérios a serem adotados pelo bom senso das partes.
Uma imposição desordenada e injustificada às todas as instituições de ensino criará maior instabilidade na relação contratual das partes e, muito provavelmente, aumentará o número de litígios, sem contar o questionamento obvio de constitucionalidade e proporcionalidades dessas normas no futuro bem breve.